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Artigo - University of São Paulo

Artigo Sueli Carneiro ENEGRECER O FEMINISMO: A SITUA O DA MULHER. NEGRA NA AM RICA LATINA A PARTIR DE UMA. PERSPECTIVA DE G NERO. Fundadora e coordenadora-executiva do Geled s Instituto da Mulher Negra S o Paulo SP. S o suficientemente conhecidas as condi es hist ricas nas Am ricas que constru ram a rela o de coisifica o dos negros em geral e das mulheres negras em particular. Sabemos, tamb m, que em todo esse contexto de conquista e domina o, a apropria o social das mulheres do grupo derrotado um dos momentos emblem ticos de afirma o de superioridade do vencedor. No Brasil e na Am rica Latina, a viola o colonial perpetrada pelos senhores brancos contra as mulheres negras e ind genas e a miscigena o da resultante est.

negra. O atual movimento de mulheres negras, ao trazer para a cena política as contradições resultantes da articulação das variáveis de raça, classe e gênero, promove a síntese das bandeiras de luta historicamente levantadas pelos movimento negro e de mulheres do país, enegrecendo de um lado, as

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1 Artigo Sueli Carneiro ENEGRECER O FEMINISMO: A SITUA O DA MULHER. NEGRA NA AM RICA LATINA A PARTIR DE UMA. PERSPECTIVA DE G NERO. Fundadora e coordenadora-executiva do Geled s Instituto da Mulher Negra S o Paulo SP. S o suficientemente conhecidas as condi es hist ricas nas Am ricas que constru ram a rela o de coisifica o dos negros em geral e das mulheres negras em particular. Sabemos, tamb m, que em todo esse contexto de conquista e domina o, a apropria o social das mulheres do grupo derrotado um dos momentos emblem ticos de afirma o de superioridade do vencedor. No Brasil e na Am rica Latina, a viola o colonial perpetrada pelos senhores brancos contra as mulheres negras e ind genas e a miscigena o da resultante est.

2 Na origem de todas as constru es de nossa identidade nacional, estruturando o decantado mito da democracia racial latino-americana, que no Brasil chegou at as ltimas conseq ncias. Essa viol ncia sexual colonial , tamb m, o cimento de todas as hierarquias de g nero e ra a presentes em nossas sociedades, configurando aquilo que ngela Gilliam define como a grande teoria do esperma em nossa forma o nacional , atrav s da qual, segundo Gilliam: O papel da mulher negra negado na forma o da cultura nacional; a desigualdade entre homens e mulheres erotizada; e a viol ncia sexual contra as mulheres negras foi convertida em um romance . O que poderia ser considerado como hist ria ou reminisc ncias do per odo colonial permanece, entretanto, vivo no imagin rio social e adquire novos contornos e fun es em uma ordem social supostamente democr tica, que mant m intactas as rela es de g nero segundo a cor ou a ra a institu das no per odo da escravid o.

3 As mulheres negras tiveram uma experi ncia hist rica diferenciada que o discurso cl ssico sobre a opress o da mulher n o tem reconhecido, assim como n o tem dado conta da diferen a qualitativa que o efeito da opress o sofrida teve e ainda tem na identidade feminina das mulheres negras. Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a prote o paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? N s, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majorit rio, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como fr geis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante s culos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, Mulheres que n o entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar!

4 Fazemos parte de um contingente de mulheres com identidade de objeto. Ontem, a servi o de fr geis sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empregadas dom sticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de mulatas tipo exporta o. Quando falamos em romper com o mito da rainha do lar, da musa idolatrada dos poetas, de que mulheres estamos falando? As mulheres negras fazem parte de um contingente de mulheres que n o s o rainhas de nada, que s o retratadas como antimusas da sociedade brasileira, porque o modelo est tico de mulher a mulher branca. Quando falamos em garantir as mesmas oportunidades para homens e mulheres no mercado de trabalho, estamos garantindo emprego para que tipo de mulher? Fazemos parte de um contingente de mulheres para as quais os an ncios de emprego destacam a frase: Exige-se boa apar ncia.

5 Quando falamos que a mulher um subproduto do homem, posto que foi feita da costela de Ad o, de que mulher estamos falando? Fazemos parte de um contingente de mulheres origin rias de uma cultura que n o tem Ad o. Origin rias de uma cultura violada, folclorizada e marginalizada, tratada como coisa primitiva, coisa do diabo, esse tamb m um alien gena para a nossa cultura. Fazemos parte de um contingente de mulheres ignoradas pelo sistema de sa de na sua especialidade, porque o mito da democracia racial presente em todas n s torna desnecess rio o registro da cor dos pacientes nos formul rios da rede p blica, informa o que seria indispens vel para avaliarmos as condi es de sa de das mulheres negras no Brasil, pois sabemos, por dados de outros pa ses, que as mulheres brancas e negras apresentam diferen as significativas em termos de sa de.

6 Portanto, para n s se imp e uma perspectiva feminista na qual o g nero seja uma vari vel te rica, mas como afirmam Linda Alcoff e Elizabeth Potter, que n o pode ser separada de outros eixos de opress o e que n o poss vel em uma nica an lise. Se o feminismo deve liberar as mulheres, deve enfrentar virtualmente todas as formas de opress o . A partir desse ponto de vista, poss vel afirmar que um feminismo negro, constru do no contexto de sociedades multirraciais, pluriculturais e racistas como s o as sociedades latino-americanas tem como principal eixo articulador o racismo e seu impacto sobre as rela es de g nero, uma vez que ele determina a pr pria hierarquia de g nero em nossas sociedades. Em geral, a unidade na luta das mulheres em nossas sociedades n o depende apenas da nossa capacidade de superar as desigualdades geradas pela hist rica hegemonia masculina, mas exige, tamb m, a supera o de ideologias complementares desse sistema de opress o, como o caso do racismo.

7 O racismo estabelece a inferioridade social dos segmentos negros da popula o em geral e das mulheres negras em particular, operando ademais como fator de divis o na luta das mulheres pelos privil gios que se instituem para as mulheres brancas. Nessa perspectiva, a luta das mulheres negras contra a opress o de g nero e de ra a vem desenhando novos contornos para a a o pol tica feminista e anti-racista, enriquecendo tanto a discuss o da quest o racial, como a quest o de g nero na sociedade brasileira. Esse novo olhar feminista e anti-racista, ao integrar em si tanto as tradi es de luta do movimento negro como a tradi o de luta do movimento de mulheres, afirma essa nova identidade pol tica decorrente da condi o espec fica do ser mulher negra.

8 O atual movimento de mulheres negras, ao trazer para a cena pol tica as contradi es resultantes da articula o das vari veis de ra a, classe e g nero, promove a s ntese das bandeiras de luta historicamente levantadas pelos movimento negro e de mulheres do pa s, enegrecendo de um lado, as reivindica es das mulheres, tornando-as assim mais representativas do conjunto das mulheres brasileiras, e, por outro lado, promovendo a feminiza o das propostas e reivindica es do movimento negro. Enegrecer o movimento feminista brasileiro tem significado, concretamente, demarcar e instituir na agenda do movimento de mulheres o peso que a quest o racial tem na configura o, por exemplo, das pol ticas demogr ficas, na caracteriza o da quest o da viol ncia contra a mulher pela introdu o do conceito de viol ncia racial como aspecto determinante das formas de viol ncia sofridas por metade da popula o feminina do pa s que n o branca; introduzir a discuss o sobre as doen as tnicas/raciais ou as doen as com maior incid ncia sobre a popula o negra como quest es fundamentais na formula o de pol ticas p blicas na rea de sa de.

9 Instituir a cr tica aos mecanismos de sele o no mercado de trabalho como a boa apar ncia , que mant m as desigualdades e os privil gios entre as mulheres brancas e negras. Tem-se, ainda, estudado e atuado politicamente sobre os aspectos ticos e eug nicos colocados pelos avan os das pesquisas nas reas de biotecnologia, em particular da engenharia gen tica. Um exemplo concreto refere-se, por exemplo, s quest es de sa de e de popula o. Se, historicamente, as pr ticas genocidas tais como a viol ncia policial, o exterm nio de crian as, a aus ncia de pol ticas sociais que assegurem o exerc cio dos direitos b sicos de cidadania t m sido objetos priorit rios da a o pol tica dos movimentos negros, os problemas colocados hoje pelos temas de sa de e de popula o nos situam num quadro talvez ainda mais alarmante em rela o aos processos de genoc dio do povo negro no Brasil.

10 Portanto, esse novo contexto de redu o populacional, fruto da esteriliza o maci a aliada tanto progress o da AIDS quanto do uso da droga entre a nossa popula o e das novas biotecnologias, em particular a engenharia gen tica, com as possibilidades que ela oferece de pr ticas eug nicas, constitui novo e alarmante desafio contra o qual o conjunto do movimento negro precisa atuar. A import ncia dessas quest es para as popula es consideradas descart veis, como s o os negros, e o crescente interesse dos organismos internacionais pelo controle do crescimento dessas popula es, levou o movimento de mulheres negras a desenvolver uma perspectiva internacionalista de luta. Essa vis o internacionalista est promovendo a diversifica o das tem ticas, com o desenvolvimento de novos acordos e associa es e a amplia o da coopera o inter tnica.


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