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E a de Queir s Os Maias INDICE ..2 INDICE ..2 Cap tulo I ..3 Cap tulo II ..23 Cap tulo III ..38 Cap tulo IV ..63 Cap tulo V ..81 Cap tulo VI ..104 Cap tulo VII ..134 Cap tulo VIII ..157 Cap tulo IX ..181 Cap tulo X ..215 Cap tulo XI ..248 Cap tulo XII ..274 Cap tulo XIII ..302 Cap tulo XIV ..322 Cap tulo XV ..363 Cap tulo XVI ..421 Cap tulo XVII ..453 Cap tulo XVIII ..498 O S M aias 3 Cap tulo I A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, eraconhecida na vizinhan a da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairrodas Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casa-r o de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no pri-meiro andar, e por cima uma t mida fila de janelinhas abrigadas beira dotelhado, tinha o aspecto tristonho de Resid ncia Eclesi stica que competia auma edifica o do reinado da Sr.

O S M AIAS 3 Capítulo I A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairro

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  Aami, Os maias, O s m aias, Aias

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1 E a de Queir s Os Maias INDICE ..2 INDICE ..2 Cap tulo I ..3 Cap tulo II ..23 Cap tulo III ..38 Cap tulo IV ..63 Cap tulo V ..81 Cap tulo VI ..104 Cap tulo VII ..134 Cap tulo VIII ..157 Cap tulo IX ..181 Cap tulo X ..215 Cap tulo XI ..248 Cap tulo XII ..274 Cap tulo XIII ..302 Cap tulo XIV ..322 Cap tulo XV ..363 Cap tulo XVI ..421 Cap tulo XVII ..453 Cap tulo XVIII ..498 O S M aias 3 Cap tulo I A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no outono de 1875, eraconhecida na vizinhan a da rua de S. Francisco de Paula, e em todo o bairrodas Janelas Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o deste fresco nome de vivenda campestre, o Ramalhete, sombrio casa-r o de paredes severas, com um renque de estreitas varandas de ferro no pri-meiro andar, e por cima uma t mida fila de janelinhas abrigadas beira dotelhado, tinha o aspecto tristonho de Resid ncia Eclesi stica que competia auma edifica o do reinado da Sr.

2 D. Maria I: com uma sineta e com uma cruzno topo assimilar-se-ia a um Col gio de Jesu tas. O nome de Ramalhete pro-vinha de certo dum revestimento quadrado de azulejos fazendo painel nolugar her ldico do Escudo de Armas, que nunca chegara a ser colocado, erepresentando um grande ramo de girass is atado por uma fita onde se dis-tinguiam letras e n meros duma anos o Ramalhete permanecera desabitado, com teias de aranhapelas grades dos postigos t rreos, e cobrindo-se de tons de ru na. Em 1858 Monsenhor Bucarini, N ncio de S. Santidade, visitara-o com ideia de instalarl a Nunciatura, seduzido pela gravidade clerical do edif cio e pela paz dor-mente do bairro: e o interior do casar o agradara-lhe tamb m, com a sua dis-posi o apala ada, os tectos apainelados, as paredes cobertas de frescos ondej desmaiavam as rosas das grinaldas e as faces dos Cupidinhos. Mas Mon-senhor, com os seus h bitos de rico prelado romano, necessitava na suavivenda os arvoredos e as guas dum jardim de luxo: e o Ramalhete possu aapenas, ao fundo dum terra o de tijolo, um pobre quintal inculto, abando-nado s ervas bravas, com um cipreste, um cedro, uma cascatasinha seca, umtanque entulhado, e uma est tua de m rmore (onde Monsenhor reconheceulogo V nus Citereia) enegrecendo a um canto na lenta humidade das rama-gens silvestres.

3 Al m disso, a renda que pediu o velho Vila a, procurador dosMaias, pareceu t o exagerada a Monsenhor, que lhe perguntou sorrindo seainda julgava a Igreja nos tempos de Le o X. Vila a respondeu - que tamb ma nobreza n o estava nos tempos do Sr. D. Jo o V. E o Ramalhete, in til pardieiro (como lhe chamava Vila a Junior, agora por mortede seu pai administrador dos Maias ) s veio a servir, nos fins de 1870, para l se arrecadarem as mob lias e as lou as provenientes do palacete de fam liaem Benfica, morada quasi hist rica, que, depois de andar anos em pra a, foraent o comprada por um comendador brasileiro. Nessa ocasi o vendera-seoutra propriedade dos Maias , a Tojeira; e algumas raras pessoas que em Lis- O S M aias 4 boa ainda se lembravam dos Maias , e sabiam que desde a Regenera o elesviviam retirados na sua quinta de Santa Olavia, nas margens do Douro,tinham perguntado a Vila a se essa gente estava Ainda t m um peda o de p o, disse Vila a sorrindo, e a manteiga paralhe barrar por Maias eram uma antiga fam lia da Beira, sempre pouco numerosa,sem linhas colaterais, sem parentelas - e agora reduzida a dois var es, osenhor da casa, Afonso da Maia, um velho j , quasi um antepassado, maisidoso que o s culo, e seu neto Carlos que estudava medicina em Afonso se retirara definitivamente para Santa Olavia, o rendimentoda casa excedia j cinquenta mil cruzados: mas desde ent o tinham-se acu-mulado as economias de vinte anos de aldeia.

4 Viera tamb m a heran a dumultimo parente, Sebasti o da Maia, que desde 1830 vivia em N poles, s , ocu-pando-se de numism tica; - e o procurador podia certamente sorrir comseguran a quando falava dos Maias e da sua fatia de p venda da Tojeira fora realmente aconselhada por Vila a: mas nuncaele aprovara que Afonso se desfizesse de Benfica - s pela raz o daquelesmuros terem visto tantos desgostos dom sticos. Isso, como dizia Vila a, acon-tecia a todos os muros. O resultado era que os Maias , com o Ramalhete inabi-t vel, n o possu am agora uma casa em Lisboa; e se Afonso naquela idadeamava o sossego de Santa Olavia, seu neto, rapaz de gosto e de luxo que pas-sava as ferias em Paris e Londres, n o quereria, depois de formado, ir sepul-tar-se nos penhascos do Douro. E com efeito, meses antes de ele deixarCoimbra, Afonso assombrou Vila a anunciando-lhe que decidira vir habitar oRamalhete!

5 O procurador comp s logo um relat rio a enumerar os inconve-nientes do casar o: o maior era necessitar tantas obras e tantas despesas;depois, a falta dum jardim devia ser muito sens vel a quem sa a dos arvore-dos de Santa Olavia; e por fim aludia mesmo a uma lenda, segundo a qualeram sempre fatais aos Maias as paredes do Ramalhete, ainda que (acrescen-tava ele numa frase meditada) at me envergonho de mencionar tais friolei-ras neste s culo de Voltaire, Guisot e outros fil sofos Afonso riu muito da frase, e respondeu que aquelas raz es eram exce-lentes - mas ele desejava habitar sob tectos tradicionalmente seus; se eramnecess rias obras, que se fizessem e largamente; e enquanto a lendas e agoi-ros, bastaria abrir de par em par as janelas e deixar entrar o Ex. mandava: - e, como esse inverno ia seco, as obras come aramlogo, sob a direc o dum Esteves, arquitecto, pol tico, e compadre de Vila artista entusiasmara o procurador com um projecto de escada aparatosa,flanqueada por duas figuras simbolizando as conquistas da Guin e da estava ideando tamb m uma cascata de lou a na sala de jantar - quando, O S M aias 5 inesperadamente, Carlos apareceu em Lisboa com um arquitecto-decoradorde Londres, e, depois de estudar com ele pressa algumas ornamenta es ealguns tons de estofos, entregou-lhe as quatro paredes do Ramalhete, paraele ali criar, exercendo o seu gosto, um interior confort vel, de luxo inteli-gente e s a ressentiu amargamente esta desconsidera o pelo artista nacio-nal; Esteves foi berrar ao seu Centro pol tico que isto era um pa s perdido.

6 EAfonso lamentou tamb m que se tivesse despedido o Esteves, exigiu mesmoque o encarregassem da constru o das cocheiras. O artista ia aceitar -quando foi nomeado governador fim dum ano, durante o qual Carlos viera frequentemente a Lisboacolaborar nos trabalhos, dar os seus retoques est ticos - do antigo Rama-lhete s restava a fachada tristonha, que Afonso n o quisera alterada porconstituir a fisionomia da casa. E Vila a n o duvidou declarar que Jones Bule(como ele chamava ao ingl s) sem despender despropositadamente, aprovei-tando at as antigualhas de Benfica, fizera do Ramalhete um museu. O que surpreendia logo era o p tio, outrora t o l brego, n , lageado depedregulho - agora resplandecente, com um pavimento quadrilhado de m r-mores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e doislongos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha,solenes como coros de catedral.

7 Em cima, na antec mara, revestida comouma tenda de estofos do Oriente, todo o rumor de passos morria: e ornavam-na div s cobertos de tapetes persas, largos pratos mouriscos com reflexosmet licos de cobre, uma harmonia de tons severos, onde destacava, na bran-cura imaculada do m rmore, uma figura de rapariga friorenta, arrepiando-se,rindo, ao meter o p sinho na gua. da partia um amplo corredor, ornadocom as pe as ricas de Benfica, arcas g ticas, jarr es da ndia, e antigos qua-dros devotos. As melhores salas do Ramalhete abriam para essa galeria. Nosal o nobre, raramente usado, todo em brocados de veludo cor de musgo deoutono, havia uma bela tela de Constable, o retrato da sogra de Afonso, acondessa de Runa, de tricorne de plumas e vestido escarlate de ca adorainglesa, sobre um fundo de paisagem enevoada. Uma sala mais pequena, aolado, onde se fazia m sica, tinha um ar de s culo XVIII com seus m veisenramelhetados de ouro, as suas sedas de ramagens brilhantes: duas tape a-rias de Gobelins, desmaiadas, em tons cinzentos, cobriam as paredes de pas-tores e de era o bilhar, forrado dum couro moderno trazido por JonesBule, onde, por entre a desordem de ramagens verde-garrafa, esvoa avamcegonhas prateadas.

8 E, ao lado, achava-se o fumoir, a sala mais c moda doRamalhete: as otomanas tinham a fofa vastid o de leitos; e o aconchego O S M aias 6 quente, e um pouco sombrio dos estofos escarlates e pretos era alegrado pelascores cantantes de velhas faian as fundo do corredor ficava o escrit rio de Afonso, revestido de damas-cos vermelhos como uma velha c mara de prelado. A maci a mesa de paupreto, as estantes baixas de carvalho lavrado, o solene luxo das encaderna- es, tudo tinha ali uma fei o austera de paz estudiosa - real ada ainda porum quadro atribu do a Rubens, antiga rel quia da casa, um Cristo na Cruz,destacando a sua nudez de atleta sobre um c u de poente revolto e rubro. Aolado do fog o Carlos arranjara um canto para o av com um biombo japon sbordado a ouro, uma pele de urso branco, e uma vener vel cadeira de bra os,cuja tape aria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama corredor do segundo andar, guarnecido com retratos de fam lia, esta-vam os quartos de Afonso.

9 Carlos dispusera os seus, num ngulo da casa,com uma entrada particular, e janelas sobre o jardim: eram tr s gabinetes aseguir, sem portas, unidos pelo mesmo tapete: e, os recostos acolchoados, aseda que forrava as paredes, faziam dizer ao Vila a que aquilo n o eram apo-sentos de m dico - mas de dan arina!A casa, depois de arranjada, ficou vazia enquanto Carlos, j formado,fazia uma longa viagem pela Europa; - e foi s nas v spera da sua chegada,nesse lindo outono de 1875, que Afonso se resolveu enfim a deixar Santa Ola-via e vir instalar-se no Ramalhete. Havia vinte e cinco anos que ele n o viaLisboa; e, ao fim de alguns curtos dias, confessou ao Vila a que estava suspi-rando outra vez pelas suas sombras de Santa Olavia. Mas, que rem dio! N oqueria viver muito separado do neto; e Carlos agora, com ideias s rias de car-reira activa, devia necessariamente habitar De resto, n o desgostavado Ramalhete, apesar de Carlos, com o seu fervor pelo luxo dos climas frios,ter prodigalizado de mais as tape arias, os pesados reposteiros, e os tamb m muito a vizinhan a, aquela doce quieta o de sub r-bio adormecido ao sol.

10 E gostava at do seu quintalejo. N o era de certo o jar-dim de Santa Olavia: mas tinha o ar simp tico, com os seus girass isperfilados ao p dos degraus do terra o, o cipreste e o cedro envelhecendojuntos como dois amigos tristes, e a V nus Citereia parecendo agora, no seutom claro de est tua de parque, ter chegado de Versalhes, do fundo dogrande s E desde que a gua abundava, a cascatasinha era deliciosa,dentro do nicho de conchas, com os seus tr s pedregulhos arranjados em des-penhadeiro buc lico, melancolizando aquele fundo de quintal soalheiro comum pranto de naiade dom stica, esfiado gota a gota na bacia de m que desconsolara Afonso, ao principio, fora a vista do terra o - deonde outrora, de certo, se abrangia at ao mar. Mas as casas edificadas em O S M aias 7 redor, nos ltimos anos, tinham tapado esse horizonte espl ndido.