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Portugal e a abolição do tráfico de escravos (1834-51)*

Valentim Alexandre An lise Social, vol. xxvi (111), 1991 (2. ), 293-333 Portugal e a aboli odo tr fico de escravos (1834-51)*INTRODU ODurante mais de tr s s culos, o tr fico negreiro constituiu uma das molasfundamentais do capitalismo mercantil, fornecendo a m o-de-obra neces-s ria s planta es do Novo Mundo e representando em si uma forma impor-tante de acumula o de capital. A fazer f em estimativas recentes, de 1500a 1800 foram exportados de frica para as Am ricas cerca de 8,3 milh esde escravos . O ponto mais alto deste com rcio corresponde ao s culo xviii,com quase tr s quartos do total (6,1 milh es)1. Neste mesmo s culo coube Inglaterra a principal fatia dessas exporta es, com pouco mais de 2,5milh es, seguindo-se-lhe Portugal , com 1,8, e a Fran a, com 1,2.

Portugal e a abolição do tráfico de escravos (1834-51) de negros aos súbditos brasileiros, três anos após a troca das respectivas rati-ficações (ou seja, em Março de 1830)6.Uma vez concluído este acordo,

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1 Valentim Alexandre An lise Social, vol. xxvi (111), 1991 (2. ), 293-333 Portugal e a aboli odo tr fico de escravos (1834-51)*INTRODU ODurante mais de tr s s culos, o tr fico negreiro constituiu uma das molasfundamentais do capitalismo mercantil, fornecendo a m o-de-obra neces-s ria s planta es do Novo Mundo e representando em si uma forma impor-tante de acumula o de capital. A fazer f em estimativas recentes, de 1500a 1800 foram exportados de frica para as Am ricas cerca de 8,3 milh esde escravos . O ponto mais alto deste com rcio corresponde ao s culo xviii,com quase tr s quartos do total (6,1 milh es)1. Neste mesmo s culo coube Inglaterra a principal fatia dessas exporta es, com pouco mais de 2,5milh es, seguindo-se-lhe Portugal , com 1,8, e a Fran a, com 1,2.

2 Holandeses,Norte-Americanos e Dinamarqueses tiveram ainda um papel significativoneste tr fico, sendo residual a participa o de nacionais de outros pa culminante do com rcio negreiro, o s culo xviii tamb m oper odo que v nascer as correntes ideol gicas que lhe contestavam a legitimi-dade, alimentadas tanto pelo pensamento iluminista como pela renova o dopietismo religioso3. Em Inglaterra, essa contesta o d origem, em finais deSetecentos, ao movimento filantr pico, que alcan ou grande popularidade nasociedade brit nica, ganhando por isso uma influ ncia pol tica consider vel.* O presente artigo que reproduz, com ligeiras altera es, o texto da tese complementarapresentado em 1989 no mbito da presta o de provas de doutoramento na FCSH da UN deLisboa n o passa do escor o do trabalho mais vasto que o assunto sem d vida merece.

3 Talcomo o publicamos, tem, a nosso ver, o nico m rito de abordar um tema raramente tratadona historiografia Cf. Paul E. Lovejoy, Transformations in slavery, quadro e fontes a Id., ibid., quadro e fontes a citadas. Cf. em especial tamb m Philip Curtin, The AtlanticSlave Trade A Census, quadros 63 (p. 210) e 65 (p. 216). Os n meros para o tr fico luso--brasileiro baseiam-se ainda, em grande parte, na obra de Maur cio Goulart Escravid o Afri-cana no Brasil, que, por sua vez, tem como fonte o livro de Edmundo Correia Lopes A Escra-vatura (Lisboa, 1944).3 Cf., p. ex., Mich le Duchet, Anthropologie et Histoire au Si cle des Lumi res, e FrankJ. Klingberg, The Anti-Slavery Movement in England, cap. li. Resumo em C. Coquery-Vidrovitche H. Moniot, L`Afrique Noire de 1800 nosjours, pp.

4 303 e segs. Reaprecia o recente emDavid Eltis e James Walvin (eds.), The Abolition of the Atlantic Slave Trade; parte i. 293 Valentim AlexandrePor outro lado, o arranque da revolu o industrial inglesa, fazendo diminuiro peso econ mico e pol tico dos interesses mercantis baseados no exclusivode que gozava o a car das Antilhas no mercado da Gr -Bretanha, abriu espa o campanha dos humanitaristas ingleses contra o tr fico negreiro, a qual, favore-cida ainda por factores conjunturais nos primeiros anos do s culo xix, condu-ziu ilegaliza o desse com rcio, decretada pelo governo de Londres em partir dessa data, a press o abolicionista passa a ser dirigida contra otr fico de escravos efectuado por outros pa ses. Nos anos seguintes, ogoverno portugu s instalado no Rio de Janeiro v -se obrigado a cederneste dom nio, mas f -lo passo a passo, resistindo quanto poss vel: pelo Tra-tado Anglo-Portugu s de 1810, para al m da promessa da extin o futura,aceitava limitar o tr fico luso-brasileiro Costa da Mina e s zonas de fricasobre que Portugal reivindicava a soberania; em 1815, em conven o nego-ciada durante o Congresso de Viena, comprometia-se a declar -lo ilegal anorte do equador; e em 1817, por conven o adicional, concedia marinhade guerra inglesa o direito de visita sobre os navios portugueses suspeitosde exportarem africanos de zonas a situa o por alturas da declara o da independ ncia do Brasil, em1822.

5 Na pr tica, o tr fico de escravos luso-brasileiros pouco afectado forapor estas medidas, mantendo n meros altos na d cada de 20, tanto a partirdas reas onde era legal (Congo, Angola, Mo ambique), como das regi esem que estava proibido (caso da ba a do Benim) s a desarticula o do imp rio portugu s, as dilig ncias inglesas tomamcomo principal alvo o governo do Rio, procurando fazer fechar definitiva-mente o principal mercado importador. Sobre Portugal que conservaraa posse de importantes zonas de exporta o de m o-de-obra africana- , aspress es de Londres t m at 1834 um car cter pontual, perdendo-se no qua-dro muito agitado da pol tica portuguesa da poca. Mas a quest o agudiza--se depois da implanta o do liberalismo, ganhando um peso insuspeitadona hist ria nacional, pela forma como afecta quer as rela es luso-brit nicas,quer a defini o e a afirma o de um novo projecto colonial para a frica.

6 Esse peso que vamos procurar medir e explicar nas p ginas AS REPERCUSS ES DO TRATADO ANGLO-BRASILEIRO DE 1826 Nos anos 30, a quest o do tr fico de escravos dominada por uma modi-fica o de fundo no seu quadro legal, introduzida pelo tratado assinado emNovembro de 1826 pela Gr -Bretanha e o Brasil, que proibiu o com rcio4 Sobre as motiva es da campanha abolicionista cf., al m das obras citadas na nota ante-rior, as teses divergentes de Eric Williams, Capitalisme et esclavage, e de Roger Anstey,The Atlantic Slave Trade and British Abolition, Cf. David Eltis, The Impact of Abolition on the Atlantic Slave Trade , in The Aboli-tion of the Atlantic Slave Trade, pp. 155 e segs.; para a ba a do Benim cf. Patrick Manning, The Slave Trade in the Bight of Benin, 1640-1890 , in H.

7 A. Gemery e J. S. Hogenden (eds.),294 The Uncommon Market, pp. 107 e segs., maxime quadro e a aboli o do tr fico de escravos (1834-51)de negros aos s bditos brasileiros, tr s anos ap s a troca das respectivas rati-fica es (ou seja, em Mar o de 1830)6. Uma vez conclu do este acordo,generalizou-se a convic o de que ele daria efectivamente o golpe final nocom rcio negreiro convic o partilhada pelas autoridades de Lisboa, queem Abril de 1827 recomendavam aos governadores das possess es a conside-ra o das medidas pr prias a remediar o desfalque que tal cessa o produ-ziria nas rendas das alf ndegas e a promover os outros ramos da economialocal7. Dois anos mais tarde, o governador nomeado para Angola, bar ode Santa Comba, em of cio ainda datado de Lisboa, referia o previs vel estado cr tico que a aboli o decerto ali produziria dentro de poucosmeses e pedia por isso um refor o militar8.

8 Na pr pria Angola, o ante-cessor de Santa Comba, Nicolau de Castelo Branco, embora assinalasse em1827 que os seus habitantes viviam em uma lisonjeira esperan a de quehaveria de prolongar-se o Com rcio da Escravatura 9, julgava, no entanto,estar ele na sua poca final , como escreve em of cio de Fevereiro de perspectiva da pr xima aboli o conduziu, por seu turno, os negreirosa intensificarem a sua actividade, de modo a aproveitarem dos tr s anos queo Tratado Anglo-Brasileiro lhes tinha concedido. Por isso, a exporta o deescravos para o Brasil atinge n meros extremamente elevados nesta ltimaparte da d cada de 20: segundo as estimativas de D. Eltis, o seu total, noper odo de 1827-29, n o andaria longe dos 135 000, com o ponto mais altoem 182911. D -se depois a quebra, ainda moderada em 1830, abrupta nos anosseguintes: em 1831 e 1832 ter o desembarcado em territ rio brasileiro somentealgumas centenas de africanos; em 1833 e 1834, pouco mais de acreditarmos no governador de Benguela, os primeiros sinais de per-turba o divisavam-se a j nos finais de 1829, com os Aviados filhos defora retirando-se sem regressar e os do pa s voltando sem fazendas.

9 No ser-t o come ar-se-iam a verificar como es , n o querendo os sobas que oresto dos brancos descesse ao litoral, pelo que se lhes tornava necess rio fugirem de noite 13. Nos meses seguintes, os ind cios de crise multiplicam--se: em Abril de 1830, o governador Castelo Branco refere o grande trans-torno que o termo do Com rcio da Escravatura causara no Com rcio eno giro da vida a que estes Povos [de Angola] estavam habituados 14; emOutubro do mesmo ano, a Junta da Fazenda de Luanda queixa-se por seu6 L. Bethell, The Abolition of the Brazilian Slave Trade, p. Portaria de 7-4-1827, referida no of cio n. 260 do governador de Benguela, J. Aur liode Oliveira, de 1-12-1829, junto por c pia ao of cio n. 69, de Abril de 1830, do governadorCastelo Branco, AHU, Angola , caixa 73 (1829-30).

10 8 Of cio de 21-9-1829, caixa cit. na nota Of cio n. 269, de 28-6-1827, loc. cit. na nota 7, caixa 72 (1827-28).10 Cf., p. ex., o of cio n. 20, de 10-2-1829, loc. cit. na nota 7, caixa 73 (1829-30).11 Cf. D. Eltis, The Direction and Fluctuation of the Transatlantic Slave Trade, 1821--1843 , in H. A. Gemery e J. S. Hegendor (eds.), The Uncommon Market, pp. Id., ibid., e L. Bethell, op. cit., ap ndice, p. Of cio n. 260, de 1-12-1829, loc. cit. na nota Of cio n. 69, de Abril de 1830, loc. cit. na nota 7. 295 Valentim Alexandreturno do estado de depress o das rendas p blicas provocado pela aboli o15(mas sem raz o: a quebra verificar-se- de facto s no ano seguinte)16; emOutubro de 1833, uma representa o do Senado da C mara de Luandae mais pessoas distintas da cidade lamentava o incalcul vel preju zoque a col nia sofrera em suas rela es pendentes com as Pra as do Bra-sil , tornando ef mera a riqueza dos maiores capitalistas do reino deAngola17.


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