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SOBRE AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO DO …

Modesto FlorenzanoLua Nova, S o Paulo, 71: 11-39, 200711 SOBRE AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO do estado moderno NO OCIDENTE*Modesto FlorenzanoINa Introdu o sua A tica protestante e o esp rito do capitalismo, Max Weber tamb m incluiu o estado ao lado do capitalismo e daqueles fen menos culturais, que, por serem encontra-di os em outros espa os e tempos, n o podem ser conside-rados como uma cria o exclusiva da Civiliza o Ocidental. Mas Weber procurou justamente demonstrar que somente na Civiliza o Ocidental teve lugar o DESENVOLVIMENTO de um capitalismo racional, de fen menos culturais dotados de universal[idade] em seu valor e signifi cado , e o desen-volvimento de um estado como uma entidade pol tica, com uma Constitui o racionalmente redigida, um Direi-to racionalmente ordenado, e uma administra o orientada por regras racionais, as leis, e administrado por funcion -rios especializados 1.

Sobre as origens e o desenvolvimento do Estado moderno no Ocidente Lua Nova, São Paulo, 71: 11-39, 2007 12 Dessa descrição de Weber, segue-se que o Estado, toma-do em sentido estrito, como entidade política, dotado de

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1 Modesto FlorenzanoLua Nova, S o Paulo, 71: 11-39, 200711 SOBRE AS ORIGENS E O DESENVOLVIMENTO do estado moderno NO OCIDENTE*Modesto FlorenzanoINa Introdu o sua A tica protestante e o esp rito do capitalismo, Max Weber tamb m incluiu o estado ao lado do capitalismo e daqueles fen menos culturais, que, por serem encontra-di os em outros espa os e tempos, n o podem ser conside-rados como uma cria o exclusiva da Civiliza o Ocidental. Mas Weber procurou justamente demonstrar que somente na Civiliza o Ocidental teve lugar o DESENVOLVIMENTO de um capitalismo racional, de fen menos culturais dotados de universal[idade] em seu valor e signifi cado , e o desen-volvimento de um estado como uma entidade pol tica, com uma Constitui o racionalmente redigida, um Direi-to racionalmente ordenado, e uma administra o orientada por regras racionais, as leis, e administrado por funcion -rios especializados 1.

2 * Este texto, originalmente intitulado O estado moderno : ORIGENS , componentes es-senciais e evolu o , foi apresentado como prova de erudi o no concurso de profes-sor titular de Hist ria Moderna, que teve lugar em junho de 2006, na Cita es extra das da edi o da Livraria Pioneira Editora, p. 1 e 4. SOBRE as ORIGENS e o DESENVOLVIMENTO do estado moderno no Ocidente Lua Nova, S o Paulo, 71: 11-39, 200712 Dessa descri o de Weber, segue-se que o estado , toma-do em sentido estrito, como entidade pol tica, dotado de todos aqueles atributos acima lembrados, n o se encontra plenamente desenvolvido nem mesmo no Ocidente antes do s culo XVIII, mas tomado em sentido lato, como enti-dade de poder e/ou domina o, encontra-se em muitos outros lugares e pocas.

3 Assim, dir-se-ia que para a institui- o estado vale, mais ainda, aquilo que K. Marx e Weber, de perspectivas opostas, disseram do capital e do capitalis-mo em geral, ou seja e respectivamente, que ante-diluvia-no e pode ser encontrado em todas as sociedades em que existe , sem esquecer F. Engels, diria que assim , porque todas as sociedades, excluindo as chamadas sociedades pri-mitivas, se dividem em classes, tornando o estado necess rio para permitir a explora o--domina o de uma classe SOBRE outras, de modo que luta de classes e estado formam um par historicamente insepar vel que somente sair de cena conjunta e defi nitivamente com o fi m da hist as sociedades sem estado , o antrop logo fran-c s, j falecido, Pierre Clastres, com base em suas pesqui-sas SOBRE os ndios guaranis da Am rica do Sul e em sua leitura do Discurso da servid o volunt ria, escrito no s cu-lo XVI, por Etienne de la Bo tie, avan ou, em 1974.

4 Uma tese especulativa, com sabor anarquista e que, ao mesmo tempo, faz lembrar o Discurso SOBRE a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, de J. J. Rousseau. Segundo Clastres, as sociedades primitivas, tanto as extintas quanto as sobreviventes, teriam permanecido nessa condi o por op o, por terem se recusado a criar, deliberadamente, o estado e tudo o que de inomin vel este acarreta. De onde segue-se que a sua inven o foi, nas palavras desse antro-p logo, o momento hist rico do nascimento da Hist ria, essa ruptura fatal que jamais deveria ter-se produzido, o acontecimento irracional que n s modernos nomeamos, Modesto FlorenzanoLua Nova, S o Paulo, 71: 11-39, 200713de modo semelhante, o nascimento do estado 2.

5 Se a tese de Clastres fantasiosa, o discurso de La Bo tie ing nuo, n o permitindo avan ar no conhecimento da pol tica e do estado ; da porque depois de um pequeno e passageiro furor causado por sua reedi o, furor que, salvo engano, fi cou restrito Fran a e ao Brasil, o discurso de La Bo tie recaiu no limbo que o acompanha desde amos essa exposi o SOBRE o estado moderno citando Weber e Marx, tendo em vista que as suas teorias sociais est o entre as mais abrangentes, entre as que mais marcaram o pensamento e a historiografi a do s culo XX, e entre as mais contrastantes. Com efeito, por um lado, Marx-Engels e os marxistas, levados por sua vis o negativa do poder institu do, preocuparam-se sobretudo em exami-nar o car ter classista do estado , em minimizar sua autono-mia com rela o s classes sociais, em denunciar, portanto, sua suposta neutralidade.

6 A reside, sem d vida, sua grande contribui o, como se pode ver nos escritos dos dois fun-dadores do materialismo hist rico, SOBRE as Revolu es de 1848 na Fran a e na Alemanha, e nos trabalhos de dois mar-xistas do s culo XX, o russo Boris Porchnev, SOBRE o abso-lutismo franc s, e o ingl s Perry Anderson, SOBRE o absolu-tismo em geral3. Mas a reside, igualmente, seu ponto fraco, sua subestima o das formas do estado , em particular do estado constitucional ou de direito (que os marxistas desig-nam pejorativamente de estado burgu s), de seu funciona-mento complexo, consagrando valores e pr ticas de civili-2 O artigo de Pierre Clastres, intitulado Liberdade, Mau Encontro Inomin vel , est inclu do na edi o brasileira do livro de Etienne de la Bo tie, Discurso da servi-d o volunt ria; a cita o encontra-se na p.

7 Marx escreveu dois textos SOBRE a Fran a antes e durante 1848, Luta de Classes na Fran a e O Dezoito Brum rio de Lu s Bonaparte; Engels, por sua vez, escreveu SOBRE a Alemanha no mesmo per odo, Revolu o e Contra-Revolu o na Alemanha; o livro do historiador russo Boris Porchnev SOBRE a Fran a intitula-se, na edi o francesa de 1972, Les soul vements populaires en France au XVIIe si cle (a edi o original em russo de 1948) e o de Perry Anderson, Linhagens do estado absolutista, que de 1974, tem tradu o em portugu s seja em Portugal seja no Brasil. SOBRE as ORIGENS e o DESENVOLVIMENTO do estado moderno no Ocidente Lua Nova, S o Paulo, 71: 11-39, 200714za o, cujo abandono n o menos que desastroso, como mostraram as experi ncias totalit rias do s culo passado.

8 Nesse sentido, veja-se a seguinte frase do historiador mar-xista ingl s Christopher Hill: A monarquia absolutista foi uma forma de monarquia feudal diferente da monarquia de suserania feudal que a precedera; mas a classe domi-nante permaneceu a mesma, tal como uma rep blica, uma monarquia constitucional, e uma ditadura fascista podem ser todas formas de domina o da burguesia . Essa frase, escrita em 1953, e reproduzida cerca de vinte anos depois e sem nenhum reparo por outro marxista, P. Anderson, em seu livro Linhagens do estado absolutista, presta-se admiravel-mente cr tica segundo a qual o marxismo, quando menos, incorreu no pecado de n o ter dado a devida import ncia ao que chama depreciativamente de liberdades formais, jogando fora, assim, a crian a junto com a gua do outro lado, Weber, enfatizando justamente a dimens o institucional do estado , as formas e modalida-des do poder institu do e de seus mecanismos de buro-cratiza o, deixou-nos, ao contr rio do marxismo, uma elaborada teoria do estado , em particular, e do poder em geral, contribuindo, como nenhum outro te rico.

9 Para o avan o da ci ncia pol tica no s culo passado; da por que Norberto Bobbio o tratou como o ltimo grande cl ssico do pensamento pol tico. Weber, contudo, n o obstante seu esfor o para construir uma teoria do estado , a mais objetiva poss vel, n o deixou nunca de cultuar valores pol ticos que privilegiaram a unidade estatal nacional, a consci ncia daquela unidade coletiva que o povo ou a na o. Como se pode ver pela seguinte afi rma o, extra- da de uma sua aula inaugural proferida em 1895 e inti-tulada Der Nationalstaat und die Volkswirtschaftspolitik (O estado nacional e a economia pol tica) : Aos nossos descendentes n o devemos legar paz e felicidade huma-na, mas a luta eterna pela preserva o e educa o de nos-Modesto FlorenzanoLua Nova, S o Paulo, 71: 11-39, 200715so car ter Os interesses pol ticos do poder da na o s o, quando est o envolvidos, os interesses fi nais e decisivos [.]

10 ] em vista essa valoriza o do estado nacional, n o seria errado considerar Weber como herdeiro e como continuador do fi l sofo G. W. F. Hegel e do historiador L. von Ranke, esp cies de pais espirituais de toda a moderna historiografi a liberal-conservadora alem , que glorifi ca o estado , concebendo-o como manifesta o do universal-racional, contendo, nas palavras de Hegel, em si e para si a totalidade tica, a realiza o da liberdade , e como manifesta o daquilo que Ranke defi niu como a ess ncia espiritual pr pria de cada estado nacional. Como bem observou Nicola Matteucci, em Lo Stato moderno , foi somen-te no s culo XIX, por meio da cultura alem , que o termo estado adquiriu a sua centralidade.


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