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MACKINDER: REPENSANDO A POLÍTICA …

195 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POL TICA N 14: 195-199 JUN. 2000 RESENHASRev. Sociol. Pol t., Curitiba, 14, p. 195-199, jun. 2000 MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopol tica? S o Paulo: Hucitec/Edusp, : REPENSANDO A POL TICAINTERNACIONAL CONTEMPOR NEAR afael Duarte VillaUniversidade Federal do Paran Em 2004 far um s culo que o ge grafo ingl s Halford John Mackinder formulou, na Real SociedadeGeogr fica de Londres, em uma confer ncia que leva por nome The Geografic Pivot of History, sua teoriageopol tica e estrat gica do poder terrestre. Esse acontecimento n o passa despercebido para o cientistapol tico e especialista em rela es internacionais e geopol tica Leonel Itaussu Almeida Mello, que recupera erecria a teoria do poder terrestre no seu livro Quem tem medo da Geopol tica?A teoria do poder terrestre postula, na sua ess ncia, que a concorr ncia pela hegemonia mundial, entregrandes pot ncias (evidentemente), pode-se resumir a uma rivalidade hist rica entre dois p los antag nicos,o poder mar timo e o poder terrestre.

QUEM TEM MEDO DA GEOPOLÍTICA? 196 Quanto ao balanço do poder terrestre, o elemento mais inovador introduzido por Itaussu Mello é a idéia de

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1 195 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POL TICA N 14: 195-199 JUN. 2000 RESENHASRev. Sociol. Pol t., Curitiba, 14, p. 195-199, jun. 2000 MELLO, Leonel Itaussu Almeida. Quem tem medo da geopol tica? S o Paulo: Hucitec/Edusp, : REPENSANDO A POL TICAINTERNACIONAL CONTEMPOR NEAR afael Duarte VillaUniversidade Federal do Paran Em 2004 far um s culo que o ge grafo ingl s Halford John Mackinder formulou, na Real SociedadeGeogr fica de Londres, em uma confer ncia que leva por nome The Geografic Pivot of History, sua teoriageopol tica e estrat gica do poder terrestre. Esse acontecimento n o passa despercebido para o cientistapol tico e especialista em rela es internacionais e geopol tica Leonel Itaussu Almeida Mello, que recupera erecria a teoria do poder terrestre no seu livro Quem tem medo da Geopol tica?A teoria do poder terrestre postula, na sua ess ncia, que a concorr ncia pela hegemonia mundial, entregrandes pot ncias (evidentemente), pode-se resumir a uma rivalidade hist rica entre dois p los antag nicos,o poder mar timo e o poder terrestre.

2 Nessa linha de argumenta o foi formulado mais recentemente porZbigniew Brzezisnki que os Estados Unidos seriam os herdeiros hist ricos do poder mar timo da Gr cia, daEspanha, de Portugal e da Inglaterra, enquanto a Uni o Sovi tica o foi em rela o a Esparta, R ssia de Pedro,O Grande, e Pr ssia de Bismarck (BRZEZINSKI, 1986). A revolu o copernicana da teoria do poderterrestre para o autor de Quem tem medo da Geopol tica? consistiu no papel estrat gico atribu do PivotArea regi o-piv na pol tica de poder das grandes pot ncias. O termo Pivot Area designava o granden cleo do continente eurasi tico e seus limites correspondiam, em linhas gerais, ao gigantesco territ rio daR ssia (p. 16). Em termos de estrat gia mundial de poder, isso significava que caso o poder terrestre pudesseobter uma frente oce nica poderia ser capaz de desenvolver um poder anf bio que lhe possibilitaria concorrercom o poder mar timo, simbolizado na poca de Mackinder pela Inglaterra. No cerne da reflex o de Mackinderse encontraria a possibilidade de que o poder mar timo ingl s viesse a ser suplantado pelo poder terrestrerusso-alem o.

3 Em outras palavras, a teoria do pensador ingl s n o deixa de ter, portanto, certo ar n o s normativo quanto instrumental: deter o poder amea ador aos s ditos mar timos de sua hip teses que tanto preocupavam o ge grafo ingl s n o se sustentaram. Como argumenta RaymondAron (1986) em Paz e guerra entre as Na es, durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial houve, aocontr rio do sustentado pela teoria do poder terrestre, a alian a de poderes terrestres e mar timos para vencerpoderes de igual natureza geogr fica. Ademais, o fim da Guerra Fria mostrou a vit ria do poder mar timoamericano sobre o poder terrestre sovi tico. Ou seja, bem feitas as contas, no decorrer do s culo 20 a teoria dopoder terrestre n o conheceu outra coisa sen o sucessivas derrotas conceituais. Ou, parafraseando Marx(quando fazia alus o a Hegel), a teoria de Mackinder cachorro morto . A pergunta que surge quase bvia:o que pode levar a um pesquisador a ser interessar por obra uma obra que foi t o duramente replicado pelahist ria no s culo XX?

4 Segundo Itaussu Mello, a premissa que constitui o ponto de partida de seu livro aconvic o intelectual de que Mackinder n o cachorro morto , [pelo que tenciona submeter] [..] o pensa-mento mackinderiano ao crivo das recentes mudan as geopol ticas e estrat gicas, bem como das vol teisrela es internacionais que se desenvolvem no mbito da nova ordem mundial (p. 24).Com esse objetivo em mente o autor estrutura a obra em quatro partes: na primeira, o aspecto que interessaressaltar um balan o da teoria do poder terrestre; na segunda, examinam-se os pontos de contato entre opensamento geopol tico de Mackinder e a controvertida geopol tica alem . Na terceira se indaga sobre ainflu ncia da obra de Mackinder sobre dois renomeados geoestrategas: os americanos Nicolas Spykman eZbigniew Brzezinski. Finalmente, o autor realiza um balan o da obra de Mackinder luz da nova ordemgeoestrat gica mundial. Por motivos bvios, nosso coment rio n o seguir necessariamente essa ordem,concentrando-se particularmente na primeira e na ltima parte, nas quais o autor exp e e comenta o n cleofundamental da obra de TEM MEDO DA GEOPOL TICA?

5 196 Quanto ao balan o do poder terrestre, o elemento mais inovador introduzido por Itaussu Mello a id ia deque a teoria do poder terrestre n o pode ser compreendida s como um comp ndio de id ias geopol teoria em si se encontraria uma concep o hist rico-geogr fica que serviria como fio condutordo pensamento do ge grafo ingl s. Parte dessa concep o est vinculada id ia de que o mundo um sistemapol tico fechado. Mackinder percebeu, j no in cio do s culo, que a era colombiana da expans o europ ia haviachegado a seu fim e que a caracter stica fundamental desse fato que se havia gerado um sistema internacionalfechado no qual os principais fatos da pol tica e da economia mundial se ligavam e interagiam,independentemente da dist ncia que os separasse. Poder amos ver nessa id ia a possibilidade de que Mackinder,no in cio do s culo XX, j estivesse descrevendo o fen meno que hoje, de maneira quase coloquial, chamamosde globaliza o ou mundializa o? Para Mello n o parece restar d vida sobre isso: o que atualmente umaconstata o de senso comum era, em 1904, uma formula o intelectual audaciosa, arrojada e revolucion ria (p.)

6 31).Formaria tamb m parte desse materialismo hist rico-geogr fico de Mackinder um determinismo geogr fi-co, que nos lembra bastante aquele de Montesquieu no s culo XVIII. As caracter sticas do meio ambienteinfluenciam decisivamente as coletividades humanas e suas formas de organiza o, moldando seu car ternacional e desenvolvendo neles uma voca o predominantemente mar tima ou continental (p. 35). Essa ltimaafirma o n o chave em Mackinder, porque mesmo que a id ia do determinismo geogr fico forme parte daestrutura de seu organograma conceitual n o isso o que lhe interessa. Qui isso explique a aus ncia de umposicionamento mais cr tico de Itaussu Mello frente ao determinismo mackinderiano. Na verdade, a formula odo determinismo geogr fico parece ser funcional ao sistema de Mackinder s enquanto serve de passagempara o terceiro pressuposto importante de sua teoria: a hist ria da pol tica mundial como um confronto entreoceanismo e continentalismo e a proje o desse conflito.

7 A tese por ele defendida era a de que o poderterrestre poderia conquistar as bases do poder mar timo, caso conseguisse adicionar sua retaguarda continentaluma frente oce nica que lhe possibilitasse tornar-se um poder anf bio, simultaneamente terrestre e mar timo[..] (p. 39).Reconstru do o ambiente conceitual da teoria de Mackinder, a estrat gia metodol gica de Itaussu Melloaparece mais claramente circunscrita. N o quer o autor de Quem tem medo da geopol tica? discutir a teoria deMackinder como na tradi o dos velhos manuais de geopol tica, que a tratavam como uma simples f rmula deestrat gia sem coordenadas conceituais para viabilizar seu percurso operacional nos cen rios da pol ticainternacional. Ancorada nessas tr s coordenadas conceituais te ricas (o sistema global fechado, o determinismogeogr fico e o confronto entre oceanismo e continentalismo ) que aparece formulado a teoria do Heartland. A no o Heartland que pode ser entendida como rea-piv , regi o-eixo, terra central ou cora o continental o conceito-chave que constitui a pedra de toque da teoria do poder terrestre [.]

8 ]. Tal conceito foi cunhadopor Mackinder para designar o n cleo basilar da grande massa eurasi tica que coincidia geopoliticamente comas fronteiras russas do in cio do s culo (p. 45). A preocupa o do pensador ingl s, entretanto, n o era tantocom o aspecto descritivo do conceito. Seu objetivo consistia em poder alertar para as elites pol ticas ocidentais,sobretudo as inglesas, o fato da privilegiada posi o geoestrat gica de quem dominasse essa imensa massaterrestre. Visto que no in cio do s culo a maior parte dessa massa estava dominada pela R ssia, Mackinder sepreocupava com a possibilidade de que uma alian a russa-alem pudesse desequilibrar a balan a de poder novelho continente, mecanismo esse que havia garantido a governabilidade internacional desde o in cio dos culo XIX. Mackinder sintetizou seu temor na conhecida f rmula: Quem domina a Europa Oriental controlao Heartland; quem domina o Heartland controla a World Island1; quem domina a World Island controla omundo.

9 Replicado pelos fatos hist ricos, como adiantamos, e em pleno desenvolvimento da Segunda GuerraMundial, Mackinder realizaria um balan o de sua teoria do poder terrestre no ano de 1943 no artigo The roundworld and the winning of the peace , que Itaussu Mello considera seu testamento intelectual. Complementandoa teoria do Heartland, Mackinder acrescenta a ela um novo conceito: o Midland Ocean. [..] Sem entrar nospormenores dessa no o, permitam-me apresent -la em seus tr s elementos: uma cabe a de ponte, na Fran a,um aer dromo protegido por fossos (os mares e canais circundantes), na Inglaterra, e uma reserva de for as1 A World Island outro conceito mackinderiano, que rejeita a id ia tradicional de que possam existir quatro oceanos e seiscontinentes. Segundo a id ia de Mackinder, existia na verdade s um grande oceano, cujas guas recobririam tr s quartos datotalidade do globo. A isso o ge grafo ingl s chamou de World Island (Ilha Mundial).197 REVISTA DE SOCIOLOGIA E POL TICA N 14: 195-199 JUN.

10 2000bem adestradas e de recursos agr colas e industriais, no leste dos Estados Unidos e Canad [..] (apudMELLO, 1999, p. 66). Geograficamente, o conceito abarcaria toda a bacia do Atl ntico Norte , ou, dito de outramaneira, abarcava as pot ncias representantes do poder mar timo um dos tipos-ideais mackinderianos est pr ximo ou adequado realidade, sem lugar a d vida esseseria o conceito de Midland Ocean. O desembarque das for as aliadas ocidentais na Normandia, no ano de1944, reproduziu quase que literalmente as proje es estrat gicas contidas no conceito: arregimenta o derecursos materiais e humanos nos Estados Unidos/Canad , concentra o deles na Inglaterra e, finalmente, seudesembarque na Fran a [..] (p. 68). De igual maneira, o objetivo normativo da teoria de Mackinder parece tersido atingido plenamente: o desembarque na Normandia permitiu que se neutralizasse, at onde foi poss velfaz -lo, o avan o das for as sovi ticas sobre todos os territ rios da Europa central.


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