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O Estigma da Doença Mental: Que Caminho …

Revista do Servi o de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Dezembro 2013 Vol. 11 N. 210open-accessRESUMOO Estigma da doen a mental tem sido alvo de crescente aten o nos ltimos anos, com um aumento exponencial de publica es sobre o tema. Este fen meno constitui para os doen-tes uma fonte de sofrimento, representando um obst culo concretiza o de projectos pessoais e integra o social plena, objectivo principal da pr tica psiqui trica actual. Neste artigo, os autores fazem uma revis o selectiva do tema do Estigma da doen a mental, abor-dando as suas defini es, origens, repercus-s es, viv ncias dos doentes e abordagens para o combater. A literatura revela tratar-se de um fen meno complexo, cujas defini es prov m de diferentes campos do conhecimento (socio-logia, psicologia e psiquiatria). O seu impacto na vida das pessoas com doen a mental evi-dente, condicionando perda de oportunidades, preju zo da auto-estima e auto-conceito, quali-dade de vida, suporte social e empowerment e actuando como uma barreira ao desempenho dos pap is sociais habituais.

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, EPE www.psilogos.com 12 Dezembro 2013 • Vol. 11 • N.º 2 Salomé Xavier • O Estigma da Doença Mental: Que Caminho Percorremos?

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1 Revista do Servi o de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Dezembro 2013 Vol. 11 N. 210open-accessRESUMOO Estigma da doen a mental tem sido alvo de crescente aten o nos ltimos anos, com um aumento exponencial de publica es sobre o tema. Este fen meno constitui para os doen-tes uma fonte de sofrimento, representando um obst culo concretiza o de projectos pessoais e integra o social plena, objectivo principal da pr tica psiqui trica actual. Neste artigo, os autores fazem uma revis o selectiva do tema do Estigma da doen a mental, abor-dando as suas defini es, origens, repercus-s es, viv ncias dos doentes e abordagens para o combater. A literatura revela tratar-se de um fen meno complexo, cujas defini es prov m de diferentes campos do conhecimento (socio-logia, psicologia e psiquiatria). O seu impacto na vida das pessoas com doen a mental evi-dente, condicionando perda de oportunidades, preju zo da auto-estima e auto-conceito, quali-dade de vida, suporte social e empowerment e actuando como uma barreira ao desempenho dos pap is sociais habituais.

2 O Estigma pare-ce ainda comprometer o acesso a cuidados de sa de, n o apenas ao tratamento psiqui trico, mas tamb m a cuidados m dicos gerais, com aumento da morbilidade e mortalidade desta popula o vulner vel. Tem sido dedicado um consider vel esfor o compreens o deste fe-n meno e ao delinear de estrat gias anti-estig-ma, que passam tamb m pela sensibiliza o dos profissionais de sa de para o tema, tendo em vista a melhoria da pr tica cl nica e quali-dade dos cuidados prestados. Palavras-Chave: Estigma ; Doen a Mental; Estrat gias Anti-estigmaABSTRACT:Mental illness stigma has been the focus of increasing attention in the past few years, with an exponential increase in scientific publications on the subject. This phenom-enon is a source of suffering for the patient undermining the achievement of personal goals and full social integration.

3 In this ar-ticle, the authors present a selective review of the literature on mental illness stigma, going through its definition, origins, repercussions, patients subjective experiences and strategies to challenge stigma. The literature presents stigma as being a complex phenomenon, whose definitions derive from different epis-temological roots (sociology, psychology and psychiatry). Its impact on the lives of people with a mental illness is well acknowledged and seems to translate into decreased oppor-O Estigma da Doen a Mental: Que Caminho Percorremos?Mental Health Stigma: Where do We Stand?Salom Xavier* , Catarina Klut*, Ana Neto*, Guida da Ponte**, Jo o Carlos Melo**Servi o de Psiquiatria, Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, EPE. **Servi o de Psiquiatria, Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, / Received: 29/12/2013 - Aceite / Accepted: 06/05/2014 Artigo de Revis o / Review ArticleRevista do Servi o de Psiquiatria do Hospital Prof.

4 Doutor Fernando Fonseca, Dezembro 2013 Vol. 11 N. 211 PsiLogos pp 10-21 Salom Xavier O Estigma da Doen a Mental: Que Caminho Percorremos?tunities, loss of self-esteem and self-concept, decreased quality of life, social support and empowerment, thus limiting the adoption or performance of regular social roles. Stigma has also been shown to compromise access to health care, not only psychiatric treatment but also general medical care, thus increas-ing the morbidity and mortality in this vul-nerable population. A considerable amount of effort has been put into the comprehension of this phenomenon and to designing strat-egies for fighting stigma, which also include promoting health-care professionals aware-ness of the topic in order to improve clinical practice and global quality of care. Key-Words: Stigma; Mental Illness; Anti-stig-ma StrategiesINTRODU OO termo Estigma deriva do grego antigo steizen, que designa a marca que era gravada no corpo de escravos e criminosos, destinada a assinalar aos cidad os que aqueles eram membros da sociedade com menor valor.

5 O seu derivativo em latim, stigma, passou ent o a traduzir o conceito de marca de inf mia ou ignom nia 1. Apesar do Estigma da doen a mental n o de-correr da presen a de uma marca f sica bvia e permanente, constitui para os doentes uma importante fonte de sofrimento, com m lti-plas repercuss es, representando um obst -culo concretiza o de projectos pessoais e um entrave no acesso aos cuidados de sa de, capaz ainda de minar a auto-estima e o auto--conceito da recente enfoque numa psiquiatria estrutu-rada sobre uma base comunit ria, que visa a reabilita o psicossocial e a integra o do doente na sociedade, tem atra do aten es para o tema do Estigma e as suas implica es nestes processos. OBJECTIVOSN este artigo, os autores pretendem fazer uma revis o selectiva do tema do Estigma da doen- a mental, abordando as suas defini es, ori-gens (hist ricas e sociais) e repercuss es, bem como as experi ncias dos doentes e as estrat -gias para o TODOSFoi efectuada uma pesquisa na literatura de ar-tigos publicados at Outubro de 2012, atrav s da PubMed, utilizando as palavras-chave: estig-ma, doen a mental e discrimina o, bem como manuais de refer ncia relativos a estas tem ti-cas.

6 Os resumos dos artigos foram avaliados e seleccionados de acordo com o seu conte do e adequa o aos objectivos da revis da Doen a Mental: Defini o( es)Erving Goffman, eminente soci logo, pode ser considerado um dos pioneiros no estudo do fen meno do Estigma , na doen a mental e noutros campos. Na sua obra seminal Stig-ma Notes on the Management of Spoiled Identity 2, o autor define sinteticamente o es-tigma como ..um atributo profundamente cujo portador .. reduzido, nas Revista do Servi o de Psiquiatria do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca, Dezembro 2013 Vol. 11 N. 212 PsiLogos pp 10-21 Salom Xavier O Estigma da Doen a Mental: Que Caminho Percorremos?nossas mentes, de uma pessoa completa e nor-mal para uma pessoa maculada, diminu da. *. Demonstra ainda, de uma forma clara, a magnitude que este fen meno pode assumir: Por defini n s (referindo-se aos nor-mais ) acreditamos que a pessoa com um Estigma n o bem humana.

7 Baseados nesta assump o, exercemos variadas formas de discrimina que reduzem as suas opor-tunidades na Constru mos uma teo-ria do Estigma , uma ideologia para explicar a sua inferioridade e que justifique o perigo que Usamos termos espec ficos Imputamos-lhe um vasto conjunto de imperfei es com base na imper-fei o 2**.Mais recentemente, Link e Phelan3 concep-tualizaram o Estigma como decorrente de um conjunto de componentes inter-relacionados, nomeadamente a atribui o de um r tulo s diferen as inter-individuais tidas como social-mente relevantes, a associa o desse r tulo a caracter sticas indesej veis de acordo com estere tipos negativos culturalmente vigentes, a distin o entre o n s e eles , a perda de status e a discrimina o que conduz a perda de oportunidades daqueles que s o Estigma -tizados.

8 Os autores enfatizam que a Estigma -tiza o inteiramente contingente a assime-trias de poder em termos sociais, econ micos ou pol ticos. No cap tulo da discrimina o, Link e Phelan distinguem a discrimina o in-dividual da discrimina o estrutural. Enquan-to que a primeira vivida na primeira pessoa, a segunda manifesta-se de forma indirecta, conjuntural. No caso da doen a mental, a dis-crimina o estrutural envolve, por exemplo, a aloca o de menos recursos rea da sa de mental comparativamente a outras reas da sa de. De referir que os autores, numa revis o do seu pr prio modelo4, salientaram que a vi-v ncia afectiva e as respostas emocionais, quer dos indiv duos que estigmatizam (raiva, pie-dade, medo), quer dos que s o estigmatizados (vergonha, medo, aliena o), s o aspectos cr -ticos na compreens o do seu mais-valia das defini es de Estigma que, tal como a de Link e Phelan, permitem analisar e operacionalizar os diferentes elementos do processo de estigmatiza o, consiste na possi-bilidade de melhor compreender este fen me-no e desenhar programas anti- Estigma mais espec ficos e dirigidos a cada uma das fases desse processo5.

9 Corrigan, psiquiatra que tamb m se tem de-dicado extensamente ao estudo do Estigma da doen a mental, deu importantes contributos para a sua defini o. Este autor decomp e o processo de estigmatiza o em quatro com-ponentes: ind cios , estere tipos, preconcei-tos e discrimina o. Assim, os ind cios s o indicadores manifestos que podem assinalar a presen a de doen a mental (por exemplo, excentricidades do comportamento), embora de forma fal vel. Os estere tipos consistem em estruturas de conhecimento , generalizadas, relativas a um determinado grupo social, en-quanto que o preconceito abrange as respostas cognitivas e afectivas negativas ao estere tipo, que conduzem a um comportamento activo de exclus o ou evitamento, a discrimina o6. Apesar da defini o de Corrigan se focar essen-cialmente em aspectos cognitivos e comporta-mentais e a de Link e Phelan em aspectos so-ciais, poss vel estabelecer v rias pontes entre as duas concep do Servi o de Psiquiatria do Hospital Prof.

10 Doutor Fernando Fonseca, Dezembro 2013 Vol. 11 N. 213 PsiLogos pp 10-21 Salom Xavier O Estigma da Doen a Mental: Que Caminho Percorremos?Corrigan introduziu a dimens o do Estigma infligido pelo pr prio doente, o auto-estig-ma , distinguindo-o do Estigma p blico com recurso a exemplos de estere tipos e suas pos-s veis repercuss es. Assim, o Estigma p blico refere-se a uma forma de Estigma dirigida da popula o geral para os doentes mentais ( eu acho que as pessoas com doen a mental s o perigosas, o que faz com que eu tenha medo delas e por isso n o as quero perto de mim e n o lhes ofere o emprego ). O segundo refere--se ao conceito do indiv duo relativamente a si pr prio, enquanto doente, resultante da inter-naliza o dos estere tipos negativos vigentes ( as pessoas com doen a mental s o incom-petentes; se eu tenho uma doen a mental, sou incompetente e por isso n o vale a pena tentar encontrar um emprego )6.


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